O ALARGAMENTO DA BITOLA DA EFA
O texto abaixo foi elaborado por Paulo Modé e publicado na revista Centro-Oeste nº 67 (1-jun-1992).
Nosso agradecimento a Paulo Modé e Flávio R. Cavalcanti.
A antiga Estrada de Ferro Araraquara, hoje integrada à Fepasa, ligando Araraquara à cidade de Rubinéia, nas barrancas do rio Paraná, foi sempre um escoadouro da imensa produção agrícola das regiões de Catanduva, São José do Rio Preto, Votuporanga e outras.
Por causa da diferença entre sua bitola (1,00 m) e a da Paulista (1,60 m), exigia custosas e demoradas baldeações, vagão a vagão, que eram feitas em Araraquara.
Por ser uma estrada estadual e estar isolada das outras de bitola métrica (Mogiana, Sorocabana), o então governador Lucas Nogueira Garcez decidiu, em 1952, completar um amplo programa de retificação de seu traçado — que havia sido iniciado em 1947 — e alargar sua bitola para 1,60 m, a fim de integrar seu tráfego com o da Cia. Paulista, eliminando assim o gargalo existente com as baldeações.
Foram então contratadas as obras de construção dos novos traçados que ainda faltavam, e iniciadas as providências para aquisição do novo material rodante, que seria:
• 17 locomotivas diesel-elétricas
• 250 vagões fechados
• 100 gaiolas para transporte de gado
• 100 gôndolas
• 23 carros de passageiros, de aço inoxidável
Além das aquisições, planejou-se a adaptação de bitola de vários vagões de carga e carros de passageiros, que haviam sido comprados ou construídos nas próprias oficinas, recentemente, o que realmente mais tarde foi feito.
Em 1954, os primeiros vagões de carga, fornecidos pela Fábrica Nacional de Vagões e pela Santa Matilde, começaram a ser entregues e — como as obras da estrada não estavam prontas — foram alugados à Cia. Paulista, que naquela época estava iniciando a conversão de seus engates e freios do sistema inglês (engates de para-choques e freios a vácuo) para o sistema americano, de freios a ar comprimido e engates automáticos, juntamente com a EF Santos a Jundiaí.
Como o alargamento da bitola seria feito por etapas, a EFA iniciou em março de 1954 a troca dos dormentes e a colocação de um terceiro trilho entre as cidades de Araraquara e Taquaritinga. Como a encomenda das locomotivas diesel não havia sido feita, por dificuldades na obtenção de financiamento externo, a EFA adquiriu então 3 locomotivas Pacific da EF Santos a Jundiaí, números 140, 143 e 144, que haviam sido recentemente encostadas.
Estas locomotivas foram completamente reformadas nas oficinas da EFA, recebendo faróis, freios a ar comprimido, sinos e adaptações nos tenders para o transporte de lenha, uma vez que o combustível usado na EFSJ era o carvão de pedra.
Estas modificações alteraram completamente a aparência das locomotivas, principalmente pela colocação dos reservatórios de ar comprimido na frente, sobre os pára-choques.
Em outubro de 1954, ao final do governo Garcez, inaugurou-se festivamente o primeiro trecho de bitola mista, com estas 3 locomotivas, tendo sido criado um trem noturno de passageiros, especial, fazendo o percurso São Paulo — Taquaritinga. Todas as demais composições de passageiros e de carga permaneceram na bitola métrica, por não haver a mínima condição de se transferir as baldeações de Araraquara — que possuía as instalações adequadas — para Taquaritinga.
No início de 1955, as obras de troca dos dormentes entre Taquaritinga e São José do Rio Preto foram aceleradas e — também por não terem sido adquiridas, ainda, as locomotivas diesel — , a EFA optou por adquirir mais locomotivas a vapor de segunda mão. Assim, chegaram naquele ano as 2 últimas Pacific da EFSJ (n° 141 e 142) e mais 19 locomotivas da EF Central do Brasil, adquiridas por Cr$ 3,2 milhões, em dinheiro da época.
Assim, ficou completo o roster de máquinas a vapor, sendo interessante destacar que a EFA não alterou a numeração original das locomotivas, que não interferia com a numeração de suas próprias máquinas, de bitola métrica. A ferrovia limitou-se, além das extensivas reformas, a apagar dos tenders o nome "Central" e eliminar as placas de identificação da EFSJ das cabines das locomotivas que vieram desta estrada. Também não foram colocadas as placas ovais com o logotipo EFA nas máquinas da Central, permanecendo estas, até o fim, sem qualquer identificação da ferrovia, a não ser os números em alto relevo, que a Central usava nas cabines.
O roster final ficou conforme os quadros 1 e 2.
Quadro 1 – Locos para trens de passageiros |
|||||
Origem |
N° |
Tipo |
Fabricante |
N° Fabr. |
Ano |
Ex-EFSJ |
140 |
4-6-2 |
North British |
19.499 |
1911 |
Ex-EFSJ |
141 |
4-6-2 |
North British |
19.500 |
1911 |
Ex-EFSJ |
142 |
4-6-2 |
North British |
19.501 |
1911 |
Ex-EFSJ |
143 |
4-6-2 |
North British |
19.502 |
1911 |
Ex-EFSJ |
144 |
4-6-2 |
North British |
19.503 |
1911 |
Ex-EFCB |
346 |
4-6-2 |
Baldwin |
37.840 |
1912 |
Ex-EFCB |
347 |
4-6-2 |
Baldwin |
37.841 |
1912 |
Ex-EFCB |
348 |
4-6-2 |
Baldwin |
34.934 |
1910 |
Ex-EFCB |
349 |
4-6-2 |
Baldwin |
34.935 |
1910 |
Ex-EFCB |
388 |
4-6-2 |
Alco-Brooks |
51.532 |
1912 |
Ex-EFCB |
389 |
4-6-2 |
Alco-Brooks |
51.533 |
1912 |
Ex-EFCB |
390 |
4-6-2 |
Alco-Brooks |
51.534 |
1912 |
Ex-EFCB |
391 |
4-6-2 |
Alco-Brooks |
51.535 |
1912 |
Ex-EFCB |
392 |
4-6-2 |
Baldwin |
37.838 |
1912 |
Ex-EFCB |
393 |
4-6-2 |
Baldwin |
37.839 |
1912 |
Quadro 2 – Locos para carga e manobra |
|||||
Origem |
N° |
Tipo |
Fabricante |
N° Fabr. |
Ano |
Ex-EFCB |
693 |
2-8-0 |
Baldwin |
33.172 |
1909 |
Ex-EFCB |
800 |
2-8-2 |
Henschel |
20.420 |
1925 |
Ex-EFCB |
803 |
2-8-2 |
Schwarzkopff |
8.562 |
1925 |
Ex-EFCB |
823 |
2-8-2 |
Schwarzkopff |
9.271 |
1928 |
Ex-EFCB |
824 |
2-8-2 |
Schwarzkopff |
9.272 |
1928 |
Ex-EFCB |
825 |
2-8-2 |
Schwarzkopff |
9.273 |
1928 |
Ex-EFCB |
826 |
2-8-2 |
Schwarzkopff |
9.274 |
1928 |
Ex-EFCB |
827 |
2-8-2 |
Schwarzkopff |
9.275 |
1928 |
Ex-EFCB |
828 |
2-8-2 |
Schwarzkopff |
9.276 |
1928 |
1 - A locomotiva n° 346 jamais chegou a trafegar na EFA, por ter
sido recebida com os cilindros rachados e com defeitos nos
longeirões. Foi canibalizada para aproveitamento das rodas e
braçagens. 2 - Em 1956 e 1957, trabalharam na EFA, alugadas, as locomotivas n° 161, da Paulista, e as diesel n°s 500, 503 e 510 da EFSJ, estas destinadas ao treinamento dos maquinistas. |
Em setembro de 1955, já completadas as reformas das locomotivas e de vários carros de passageiros e vagões de carga, e tendo sido trocados os dormentes entre Taquaritinga e São José do Rio Preto, foi feito o alargamento da bitola de uma só vez, entre estas cidades, a uma distância de aproximadamente 100 km.
Para tanto, a EFA alugou várias turmas de trabalhadores da Cia. Paulista que, juntamente com as suas, se encarregaram da tarefa. O tráfego foi suspenso por 4 dias, tendo sido o material rodante da bitola de 1,00 m totalmente transferido para as estações além de São José do Rio Preto, com exceção de algumas locomotivas pequenas e vagões, que ficaram no pequeno ramal de Silvânia a Tabatinga, hoje extinto.
Assim, dia e noite foram os trabalhadores levando um dos trilhos à sua nova posição nos dormentes, em várias frentes de trabalho, terminando a gigantesca obra no dia 12 de setembro de 1955. No dia seguinte, o trem noturno procedente de São Paulo, puxado pela locomotiva n° 144, inaugurou a nova linha, com festividades em quase todas as estações.
Alguns dias depois, fez-se a inauguração oficial da nova linha, com um trem do tipo Santa Cruz da EF Central do Brasil, que viajou diretamente do Rio de Janeiro a S. José do Rio Preto, conduzindo, entre outras autoridades, o então ministro da Viação, Marcondes Ferraz. O trem foi tracionado, na EFA, por uma diesel RSC-3 da Paulista, sendo esta a primeira vez que uma locomotiva deste tipo por lá trafegou.
Em 1956, o alargamento da bitola foi feito até Votuporanga e, quase em seguida, levado até o final da linha, na estação então chamada Porto Presidente Vargas, hoje Rubinéia.
Em janeiro de 1958, foram recebidas, finalmente, as 5 primeiras locomotivas diesel, do tipo GP-9, adquiridas da General Motors, de números 1001 a 1005; e em 1960 vieram as 12 restantes, do tipo GP-18, de números 1006 a 1017 (quadro 3), recebendo-se também os 23 carros de passageiros de aço inoxidável fornecidos pela Mafersa.
Quadro 3 – Locomotivas diesel (bitola 1,600 m) |
|||||
Tipo |
N° |
Fabric. |
Entr. |
Class. |
Fabr. |
GP9L |
1001 |
11/11/57 |
11/02/58 |
B-B |
GM-EMD |
1002 |
18/11/57 |
12/02/58 |
B-B |
GM-EMD |
|
1003 |
18/11/57 |
07/02/58 |
B-B |
GM-EMD |
|
1004 |
14/11/57 |
08/02/58 |
B-B |
GM-EMD |
|
1005 |
21/11/57 |
05/02/58 |
B-B |
GM-EMD |
|
GP18 |
1006 |
26/03/60 |
20/05/60 |
B-B |
GM-EMD |
1007 |
26/03/60 |
17/05/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1008 |
26/03/60 |
21/05/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1009 |
28/03/60 |
31/05/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1010 |
28/03/60 |
16/05/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1011 |
05/04/60 |
02/06/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1012 |
05/04/60 |
31/05/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1013 |
05/04/60 |
01/05/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1014 |
07/04/60 |
23/06/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1015 |
07/04/60 |
22/06/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1016 |
07/04/60 |
22/06/60 |
B-B |
GM-EMD |
|
1017 |
26/05/60 |
03/08/60 |
B-B |
GM-EMD |
Em 1958 foram encostadas as primeiras locomotivas a vapor.
Em 1968, com a cessão à EFA de algumas locomotivas diesel do tipo LEW, compradas pela Paulista, foram encostadas as 2 últimas locomotivas a vapor, que ainda trafegavam em trens de lastro, a n° 824 e a 828, encerrando-se neste ano, definitivamente, a tração a vapor na ferrovia.
Entre em contato conosco!